domingo, 20 de dezembro de 2009

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Tempos de solidão


Vivemos uma época em que nunca houveram tantas possibilidades de comunicação instantâneas. Sejam ferramentas como a internet, telefonia convencional e celular, como formas outras de vencer a barreira do tempo/espaço como o jornal, a literatura, o cinema e a televisão... Enfim, invenções humanas que permitem ultrapassar as distancias geográficas e físicas que nos separam, superando assim o tempo necessário a esta aproximação.
O ser humano tem por característica ser gregário, se constitui a partir de interações com outros e consigo próprio. Isto faz refletir sobre como somos, como pensamos, como agimos, das expectativas que temos dos outros e de nós mesmos com relação ao nosso presente e ao nosso futuro. Ora pois, uma grande questão de nosso tempo, é a vivencia de solidão no contemporâneo. Onde está o erro ou a falha disto tudo? Nossas invenções comunicacionais enquanto humanos de estar junto com quem gostamos, de eternizar alguma idéia através da literatura e do cinema, não garantiram aplacar o sentimento de vazio, de falta de esperança no futuro, a solidão que acompanha a vida. Diria que esta é uma condição humana, ela nos acompanha de alguma forma sempre, embora hajam formas cuja qual isso se apresenta de forma problemática, de maneira a constituir quadros de sofrimento mental mais ou menos intensos.
Naturalmente não se trata de colocar a solidão como um fato negativo da vida. Não é o que pensa um artista que se isola em determinado momento para pensar sua obra, do chefe de uma empresa para tomar uma decisão mais sensata, do político que pára a refletir sobre que rumos seguir em sua trajetória, do casal apaixonado que em alguma discussão resolve se distanciar para poder “respirar”. A solidão pode ser um momento de profunda criatividade e produção de diferença necessária a transformação da vida.
Sempre ouvimos dizeres do tipo “antes só do que mal acompanhado” e por outro lado que “a união faz a força”. A vida feita uma ilha deserta pode parecer um momento interessante, mas se ela passa a ser uma regra, deixando a pessoa solitária, não apenas do ponto de vista amoroso, poderá ser um sinal de alguma barreira impede um contato maior com a forma gregária de ser. De outro extremo, “a união faz a força” nem sempre será a melhor escolha. Pergunto: a força à custa de quê? Qual o “retorno” que essa força investida me oferece? Não se trata de viver light ou coll, tentando encontrar um meio termo, um equilíbrio. Água com açúcar nem sempre será interessante. Para você, o que é realmente interessante?

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Internet: onde público e privado se encontram


Cresce a cada dia o número de usuários e o acesso doméstico, consequentemente o acréscimo de horas de acesso ao world wide web, o WWW. E a tendência é seguir crescendo rapidamente. E com este crescimento, aumenta também a preocupação com a privacidade na mesma. Isto inclui desde programas espiões que roubam senhas bancárias de quem utiliza o serviço de homebanking, pessoas mal intencionadas em chat e bate-papos online, programas que roubam dados pessoais através de emails respondidos – os phishings, como forma de descobrirem o perfil de consumo do usuário.
Por outro lado, cresce a preocupação de pais e educadores com o uso destas ferramentas de comunicação. Inegável as possibilidades de aprendizagens em qualquer nível que a internet favorece. No entanto, cabe aos adultos e pais orientar as gerações que estão vindo. Por exemplo, qual é o papel de um adulto ao saber que uma adolescente de 13 anos colocou fotos sensuais em seu Orkut? Esta mesma adolescente saberá reagir com a abordagem de um homem mais velho ou mesmo há um garoto de sua idade? Pode-se fazer um paralelo entre o mundo real quando uma jovem de 25 anos sabe o que esperar das iniciativas masculinas se for vestida sensualmente a uma festa. E a nossa adolescente vai aprender isso sozinha? Não é aconselhável. O risco pode ser a moça ficar redonda se os pais e os adultos não forem um pouco “quadrados”, por exemplo. Naturalmente, estou utilizando um argumento extremo, embora sempre se ouça alguma história de adolescente que “achava que isso não ia acontecer comigo”. Muita presunção. Isso vale tanto para as meninas quanto aos meninos, afinal, ambos têm “participação nos lucros”.
Importa afirmar que os adultos devem saber o que seus filhos fazem na internet sim, e sem medo de serem chamados de autoritários ou qualquer coisa nesse sentido. É o mesmo que saber com quem andam na rua. Afinal, a internet também é um espaço de circulação. Cabe aos pais e responsáveis, seja em casa ou em escolas, restringirem o acesso a determinados sites e a instalação de programas que possam deixar os jovens expostos a pessoas e conteúdos mal intencionados. Geralmente, as lojas especializadas em informática e a própria rede oferecem informações de como se restringir o acesso a determinados conteúdos. Mas nada como um bom bate-papo sobre o que seu filho/a sabe sobre como se proteger e dos riscos que a internet pode oferecer. Da mesma forma que a rua pode oferecer riscos. Educar ainda é a melhor escolha.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Estresse?



Quem já não ouviu dizer algo do gênero “estou estressado”? O que se ouvia antigamente como doença e sofrimento de altos executivos sugados pelos seus exigentes trabalhos passou a ser algo dito costumeiramente no dia-a-dia. Para ilustrar o que estou dizendo, uma pesquisa realizada pela Internacional Stress Association no Brasil (ISMA-BR) com mil executivos de São Paulo e Porto Alegre constatou que 86% deles sentem dores musculares e dores de cabeça e cerca de 81% sofrem com ansiedade. Em situações de tensão, 18% destes executivos relataram explosões de raiva. Alguns motivos apontados pelos mesmos dão conta de excesso de tarefas, medo de demissão, muita responsabilidade com pouca autonomia, conflitos e desequilíbrio entre esforço e gratificação. Estes são alguns dos efeitos nocivos do estresse que acabam, além dos efeitos emocionais não menos danosos de exaustão, depressão e solidão, sobrecarregando o corpo. Um organismo constantemente exposto ao estresse fica sempre em alerta numa posição fight-or-flight, trocadilho da língua inglesa que quer dizer luta ou fuga. Este impasse, ou seja, esta sobrecarga pode ocasionar graves danos à saúde física do indivíduo, alguns irreversíveis.
O comprometimento das pessoas no trabalho parece ser um bom termômetro do estresse pois este fator irá contribuir na permanência ou na conveniência de manter o estado de coisas que aí opera. É bastante claro, no entanto, que a competição seja entre colegas de trabalho ou com outras empresas concorrentes, contribui e bastante para que estes adoecimentos possam existir e se agravar. Não se trata de buscar um bode espiatório para responsabilizar o trabalho ou a pessoa vivendo em estado de estresse. O que é necessário é analisar como um e outro contribuem para manter e prejudicarem-se, reforçando a lógica de seu funcionamento adoecido.
Algum nível de estresse sempre haverá em nossas vidas, pois esta é uma característica inerente a nossa condição enquanto humanos e seres vivos. Um leão, numa savana africana pode ser bastante feroz, mas em uma situação de tempestade iminente, procurará abrigo contra esta força da qual não é capaz de enfrentar de forma eficaz. Em situações de luta e fuga, às vezes é mais conveniente e inteligente ser como o leão. Embora essa seja uma resposta simples para o leão em seu ambiente, ela não parece o ser para nós humanos enquanto seres numa sociedade em que derrotas, ou a fuga, são vistas como vergonhosas. Desde tenra idade, os ser humano é ensinado a enfrentar cerrando dentes e punhos situações de combate. Nem sempre esta será a escolha mais inteligente e saudável para nossa sobrevivência física e psíquica. Há de se inventar outras formas de lidar com o mal dos executivos, embora não seja nenhum privilégio padecer dele. A vida merece ser vivida com suas dores, amores e alegrias, e assim sendo, a vida se torna uma obra de arte, única e admirável.
Aliás, o que as organizações têm pensado em como tornar o trabalho de fato algo que faça com que as pessoas cresçam junto com as mesmas? Se seus líderees estão adoecendo, como imaginar a tão sonhada sustentabilidade?

sexta-feira, 17 de julho de 2009

O amor é uma viagem…


Hoje vou contar uma historia... Em um país longínquo do oriente médio, numa época remota, um rei chamado Shariar descobre que sua esposa o está traindo com o mais baixo servo de sua corte. O servo foi morto junto com a sua suposta amada. Desde então, conta a lenda, naquele reino, o Rei Shariar casou com uma mulher por noite, sendo que ao final de cada noite de núpcias, sacrificava a recém casada esposa. Isto foi um duplo problema: político, pois quem haveria de se casar com alguém isento de qualquer punição por seus atos (de mandar matar suas esposas) e psíquico no sentido de o Rei Shariar não conseguir mais se apaixonar e confiar em alguém.
Eis que num belo dia, Sherazade, a filha do soldado responsável por executar as esposas, resolveu, para espanto de todos, casar com o Rei. Seria uma contradição muito grande o próprio pai ter de executar a filha, sem dúvida... No entanto, na noite de núpcias do casal, Sherazade, resolveu contar historias. A cada historia contava uma historia que teria uma sequencia na noite seguinte. Para continuar a ouví-la, o rei ficava curioso e deixava sua rainha viver por mais uma noite… e a contação de histórias seguia firme e acabaram vivendo juntos durante muito tempo. O ciclo de casamentos e mortes acabou. Algumas dessas histórias são contadas em um clássico da literatura de autor desconhecido chamado As mil e uma noites.
Esta pequena história, muito resumida, nos faz pensar acerca dos muros, reais e imaginários, construídos em muitas relações amorosas, do amor sem confiança, do prazer sem afeto com o outro, seja homem ou mulher. Em última análise, da falta de acreditar em si próprio. A morte, nesta pequena história narrada, não necessariamente pode ser vista como a morte real, física do/a outro/a. Ela pode ser um tanto a descrença de que o amor é possível e valha à pena. Sherazade faz toda uma viagem para convencer a si e ao rei que ambos eram dignos de uma história melhor do que aquelas que já conheciam e viveram, através de palavras que tocaram sem ferir seu amado. Palavras estas como quem tem uma ferida que precisa ser tocada para ser cuidada numa troca de um curativo.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

A terra do nunca


Um grande espaço do tempo televisivo, de rádio e mesmo da mídia impressa tem sido destinado à morte do ídolo do pop Michael Jackson. Aliás, periodicamente somos levados a “consumir” determinadas informações. Às vezes nem precisavam de tanto destaque, holofotes e pirotecnia. O mesmo aconteceu com o caso Isabella, aquela menina jogada criminosamente pela janela de um apartamento num bairro de classe média alta de São Paulo, da adolescente Eloá morta pelo ex-namorado enciumado, o recente desastre da Air France... Não são fatos banais ou menos trágicos que outros. Na mesma época que Isabella estava em pauta, uma menina numa vila em Porto Alegre havia sido morta por um padrasto, depois de estuprada, enforcada com a própria roupa... Não teve o mesmo espaço que Isabella. Algo faz com que determinados acontecimentos façam com que as pessoas estejam tão atentas a determinadas notícias, dando audiência às emissoras, vendam jornais, etc...
O grande sucesso de Michael Jackson, embora não necessariamente sua música seja do gosto de todos, sua vida atribulada, nos fazem pensar no sentido de progredir profissionalmente, em qualquer carreira, quando a vida pessoal parece estar de ponta a cabeça... Casamentos sucessivos e malsucedidos, escândalos sexuais, dívidas de elevadíssimas somas. E nos últimos anos, Neverland (terra do nunca de Peter Pan), era sua residência ate o final de 2008 na Califórnia nos Estados Unidos. Além de ter uma imensa mansão, zoológico era também um parque infantil. Tudo numa área de 1120 hectares. O cantor dizia que escolheu fazer este lugar para divertir as crianças e que gostaria de recuperar a infância que não teve. Ora, sabemos o quanto se ouve falar da época que éramos crianças e éramos felizes. Só que na terra mítica de Peter Pan as crianças não crescem jamais. A vontade de reviver uma infância perdida só surge como possível numa cultura em que a felicidade das crianças é a fantasia de todos, ao menos e o que os adultos supõe. Esse seja um dos motivos que fazem as pessoas darem tanta atenção a este ícone do pop. Ele nos diz respeito de alguma forma, pelo menos considerando o que somos enquanto sociedade, o que somos em nosso tempo. Mas a repetição da mídia é exaustiva... Será que nos damos conta?

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Ensaio sobre a Cegueira



Um filme chamado pelo mesmo nome da obra que o inspirou “Ensaio sobre a Cegueira” foi lançado no ano passado(ensaiosobreacegueirafilme.com.br). A obra é de autoria do Nobel de literatura, o português José Saramago. Um filme com toques de um humor bizarro não deixa de comover pelo drama que nos apresenta: um país inteiro fica cego repentinamente.
O filme exige um bom estomago e um fígado que dê conta de metabolizar a toxicidade da trama. Não é para menos. Os primeiros minutos são intrincados na medida em que os personagens vão misteriosamente ficando cegos e após param em um sanatório em quarentena. O cardápio inclui fezes, urina, esbarrões, muitos tropeços, egoísmos, oportunismos de todas as formas e indiferença, inclusive uma série de estupros coletivos (classificação indicativa do filme é 16 anos). É uma leitura corajosa e ousada do que é o gênero humano. Não somente o que há de mal no ser humano, mas de generosidade, da capacidade de nos compreendermos, de amar e perseverar.
Do isolamento do hospital, há uma testemunha que não foi contagiada que passa a liderar uma família improvisada de sete pessoas, que se mantém unida até o fim do filme. Ela é esposa de um oftalmologista e acaba sendo uma líder corajosa que enfrenta desde a depravação e incerteza, o horror e o amor, em uma fuga do hospital para uma cidade devastada e caótica pela epidemia da cegueira branca, onde vão tentar encontrar alguma esperança.
É um filme que não fala apenas de uma cegueira física. Ele conta de como somos cegos psiquicamente, indiferentes, sociológica e politicamente. Ela é uma alegoria do que somos ou podemos ser. Mas qual seria o sentido da cegueira? No final do livro do Saramago (página 310), escrito em português de Portugal:
Porque foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te digo o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estávamos cegos, cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem.
A resposta é muita coisa, mas não qualquer coisa. O sentido está no íntimo de cada um e ao mesmo tempo em todos nós enquanto sociedade. A pergunta não cala: quando e quantas vezes se vê sem enxergar?

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Os desígnios do amor….


Dia dos namorados. Data especial para oferecer uma atenção extra aquela pessoa única. Hoje essa é uma data em que a troca mútua de recados de amor em forma de objetos simbólicos acontece. Mas desde tempos remotos que datam da Grécia Antiga os homens e mulheres tem-se perguntado sobre o sentido do amor. Muito já se escreveu e se discutiu sobre o tema. O dramaturgo grego Aristófanes (c. 447 a.C à 385 a.C) na obra O Simpósio:
Os primeiros entes humanos eram fruto da obra de Deuses jovens e eternamente belos. Foram, assim mesmo, construídos de forma diversa dos seus criadores: redondos, completos e integrais. Mas tinham duas caras... Foi quanto bastou, aliás, para que as divindades temessem ser passados para «uma segunda classe de seres», a partir do poder de controle próprio e, por tal fato mesquinho, os Deuses cortaram os primeiros seres ao meio. Cada ser humano passou a possuir uma só cara e pares de membros robustos.
Nesta época mítica, homens e mulheres formavam uma única entidade, extremamente poderosa, que as divindades gregas sentiram-se ameaçadas. Assim, o que deviam os deuses fazer para punir com a morte esses ousados? A morte é um castigo excessivo, e definitivo. Zeus, o deus máximo da mitologia grega opta: divide os andróginos em dois. Eles se mantém vivos, mas as metades ficaram por se encontrar, com a esperança de que este ato devolva-lhe a antiga força. É o castigo, mas, vindo de um deus, denota paixão. É por isso que a atração daqueles que se amam é inevitável, extasiante e irresistível.
Esta é uma versão do que a paixão e o amor podem ser para as pessoas. Paixões podem ir e vir, mas o que é certo é que elas são capazes de proporcionar sentido a vida. Seja com mais de uma pessoa ao longo da vida, seja se apaixonando várias e de diferentes maneiras pela mesma pessoa. Um ótimo final de semana!

terça-feira, 19 de maio de 2009

Uma história de culpa


Vivemos em uma época em que há muitas biografias que contam a vida de pessoas famosas ou anônimas. É uma forma de registrar nossa memória social, de eternizar a vida de uma pessoa. Uma historia de vida interessante e não menos intrigante é a da francesa Simone Weil. Já aos cinco anos ela parou de usar açúcar quando soube que no exército frances os soldados eram privados do seu consumo. Ela vinha de uma família judia não praticante e extremamente culta, de condições de vida confortáveis de uma classe média francesa. Simone foi um gênio precoce: aos doze anos sabia grego e aos quinze já era bacharel em filosofia. Já nesta idade chamava a atenção por seu jeito insólito de se vestir e por seu pensamento bastante independente para a época. Ela cresceu agnóstica (não acreditava na existência divina), e era conhecida por suas idéias de estrema esquerda radical. Um pouco posterior a crise da grande depressão, 1929, semelhante a essa que estamos vivendo em nossos dias, Simone deixou sua confortável posição de professora na numa escola secundária para moças em Le Puy, onde era conhecida como a "Virgem Vermelha", para ir trabalhar nas linhas de montagem da empresa automobilística Renault em 1934. Mas suas condições físicas não foram suficientes e teve que desistir deste projeto em 1935.
Envolveu-se em lutas sociais diferentes, indo morar em na Espanha com o intuito de participar da guerra espanhola ao lado dos republicanos. Acabaram lhe dando um rifle, mesmo tendo déficit de visão e miopia. Acabou tendo um acidente em que caiu desastradamente sobre uma panela de óleo quente, ficando gravemente ferida, sendo resgatada pelos pais, indo morar na Itália para recuperar a saúde.
Num momento posterior, e padecendo de constantes enxaquecas, Simone tornou-se mística. Devorou o Livro dos Mortos egípcio e o Bhagavad Gita. Ouvindo um canto gregoriano num mosteiro beneditino, no auge de um ataque de enxaqueca, “experimentou a alegria e amargura da paixão de Cristo como um evento real”, e, pela primeira vez, pensou em si mesma como uma pessoa religiosa. Converteu-se ao cristianismo, mas não à religião organizada. Não quis o batismo e a filiação à Igreja, mas, numa colônia agrícola católica, transformou-se numa asceta (consiste na prática da renúncia do prazer ou mesmo a não satisfação de algumas necessidades primárias, com o fim de atingir determinados fins espirituais), trabalhando na terra, dormindo no chão, alimentando-se só de vegetais.
Depois disso foi a Londres, lutar com a resistência francesa. Seu asceticismo ao ápice: ela se negava a comer qualquer coisa a mais do que os suprimentos oferecidos ao exército. Isso só piorou sua desnutrição, piorando sua tuberculose. Morreu com 34 anos em 1943. Foi parada cardíaca, desencadeada por uma greve de fome.
Com que palavra poderíamos definir essa intrigante personagem? Culpa seria uma boa escolha. Era uma moça bem nascida e muito inteligente para sua época, não precisava se privar de alimentos por razões econômicas, mas fez escolhas por si pouco convencionais para si que refletiam um pouco os conflitos sociais de sua época e seu mal estar próprio, irracional. Simone Weil nos faz pensar acerca de como nosso senso de valor ou de auto estima vem a ser importante para uma vida longa e saudável.

terça-feira, 12 de maio de 2009

O tempo adoeceu?


Na semana passada escrevi sobre o hábito de se alimentar com a família ou com as pessoas que gostamos. Esse costume, um pouco perdido e talvez empoeirado pela correria do dia-a-dia contitui-se de um momento importante em que recebemos muitas informações sobre a vida do outro e podemos estabelecer trocas afetivas. E quando esses e outros encontros não são possíveis de acontecer? Quando o ritmo de estudos é intenso, quando o trabalho exige dedicação extra, quando há sempre alguma notícia interessante no jornal, quando há novo lançamento de filme ou livro, a internet sempre tem algo curioso a nos mostrar, da televisão nem se fala… e o celular toca? Vive-se essa dança frenética ou talvez essa montanha russa louca pela qual a gente passa a mil sem ver a beleza de um momento efêmero.
Uma das questões que muitas pessoas sofrem no seu dia-a-dia é esse viver sempre correndo atrás da máquina, esse viver sem tempo, um verdadeiro tempo adoecido. Aliás, a forma mais usual de se justificar uma falha ou falta é afirmar “não tive tempo”! Às vezes essa justificativa é verdadeira, mas ela pode estar falando de outra coisa quando a mesma for utilizada de forma seguida e recorrente.
Sempre me lembro de uma história que uma professora minha de faculdade contava para explicar o que fazia as pessoas sentirem-se sem tempo. Era uma situação pessoal de uma tia dela aposentada, cujas atividades do dia consistiam em manter a casa em ordem somente. Claro que isso é uma atividade importante e necessária. Ela junto com uma vizinha também aposentada tinham como hábito tomarem o café da tarde, costume cultivado em muitas famílias ainda. Mas com o passar do tempo elas passaram a não ter mais tempo para seu lanche vespertino. Por estranho que isso nos parece, elas se sentiam sem tempo. O que elas acabavam fazendo efetivamente era encontrando outras atividades que ocupavam seu tempo, embora se “queixassem” da falta de tempo. Pode ser estranho, mas é bem comum em nosso meio, as suas diferentes formas de sentir-se sem tempo. Não se trata aqui de julgar a ação dessas senhoras, evidentemente. É apenas uma forma de ilustrar como isso pode acontecer no dia-a-dia.
Mas há uma pergunta que não cala: a correria do dia-a-dia faz sentido? Pensar a esse respeito pode ser bastante útil para melhorar a qualidade de vida e encontrar outras saídas mais felizes. Afinal de contas o tempo deveria estar ao nosso favor e não o contrario. Ao menos esse vem a ser um desafio a ser alcançado. A propósito, o que você tem feito com seu tempo?

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Os alimentos da alma



Muito tem se estudado sobre as propriedades nutricionais dos alimentos, estes mesmos ganham os mais variados adjetivos como funcionais e podem sofrer combinações específicas com dieta na gestante, dieta do idoso, dieta do diabético... Nada contra, há situações que isso é absolutamente necessário. Gostaria de falar hoje de um hábito alimentar que tem se tornado menos incomum em nossos dias. Aquela velha mania que a banda Skank canta já há mais de década:
Família, família
Almoça junto todo dia,
Nunca perde essa mania. (e por aí vai...)
Num recente estudo sobre hábitos alimentares em grandes cidades constatou-se que aproximadamente 69% das pessoas costumam assistir televisão nas refeições. Ou seja, o tempo para o diálogo com quem se compartilha o momento é no mínimo dividido com a telinha, quando não ocupado exclusivamente. Além do mais, a rotina corrida do dia-a-dia da modernidade parece não nos permitir o suposto luxo deste momento sagrado de comer devagar e/ou se alimentar da companhia de alguém. Cada vez menos as famílias têm o hábito de se sentar a mesa e saber um dos outros, de trocar e conversar. As pessoas chegam a imaginar-se sem ter o que fazer quando acaba a luz.
O hora do almoço pode ser um bom pretexto para se reunir a família, trocar informações desde hábitos familiares sobre os alimentos, peculiaridades que cada família tem sobre isso. Este é um momento de intimidade, afinal de contas não convidamos qualquer pessoa para cear conosco, não é verdade? É o momento em que os adultos podem expressar e atualizar seus sentimentos em relação aos filhos, aos filhos saber da vida profissional dos adultos, dos pais acompanharem a vida escolar e os círculos de amizade dos filhos. Pode ser um momento que apareçam as contradições e os conflitos. Sim, eles fazem parte de todas as famílias, não interessa classe social ou cor. É uma boa oportunidade de exercer o diálogo de forma polida, de tentar se por no lugar do outro, de conhecer sua rotina, suas razoes. É um exercício nada fácil muitas vezes, mas bastante necessário. Uma “coisa” muito importante pode estar se sustentando através destes espaços de convivência familiar: o sentimento de pertencimento, esse sentimento que nos faz sentir integrados e próximos como seres humanos.
Por qual motivo estamos nos tornando comedores solitários? Será que estamos dando mais valor ao aspecto nutricional do que o social dos alimentos? Nossas parcerias concretas tem sido a TV e o computador? Parece que temos a refletir a respeito: a vida que levamos é a vida que nos leva?

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Por que fazer psicoterapia?

O sofrimento é algo inevitável a existencia humana, seja físico ou mental. Eis a condição humana. São diversas as formas que nos fazem sofrer ao longo da vida do ponto de vista psicológico. O sofrimento pode estar presente também em situações de vida positivas, embora isso possa parecer estranho num primeiro momento. Pode ser o nascimento ou a perda de um filho, a perda de um amor ou não conseguir apaixonar-se, não conseguir emprego ou ser promovido no trabalho, a distancia das pessoas queridas ou a frieza das pessoas próximas, a dificuldade de aprender algo novo ou um não saber o que fazer com toda a sua bagagem de conhecimentos, quando se ama além do que se deve ou quando não se deixa envolver com alguém e quem sabe ganhar na megasena e não saber mais em quem confiar ou o que fazer… a lista pode ser infinita.
Todos esses acontecimentos de vida nos impõem a questão do inevitável de diferentes formas. É como aquela situação de passar na frente de um espelho sem saber e vermos outra pessoa ou outra “coisa” num primeiro instante, mas quando nos damos conta, estamos diante de nós mesmos. Inevitável nos depararmos com as verdades das encruzilhadas da vida e não termos algum estranhamento diante de nós mesmos, de nossas fraquezas, de nossas limitações e nossas forças.
A psicoterapia é um espaço em que se acolhe o sofrimento humano através da palavra da pessoa com o objetivo da transformação e do crescimento da pessoa em qualquer faixa etária nos diversos campos da vida. Ela deve ser exercida por um profissional habilitado como psicólogo ou outro profissional com habilitação como um médico. Quem dimensiona o pedido da psicoterapia é a pessoa, ou um adulto quando o paciente for uma criança, que busca o tratamento, sendo esta que irá definir como, a que velocidade e por que caminhos deseja percorrer. É, portanto realizada uma avaliação inicial do que a pessoa necessita e apresentada a forma como o trabalho ocorrerá, aberto à negociação. Importante ressaltar que é um trabalho de absoluto sigilo e privacidade. É um trabalho que demanda vários encontros, geralmente um ou dois encontros semanais, de acordo com a demanda e a abertura às mudanças.
A psicoterapia, independente se sua abordagem for psicanalítica, cognitiva ou sistêmica, associado ao tratamento com uso de medicamentos psicotrópicos costuma apresentar significativos resultados positivos quando os tratamentos estão associados ao invés de cada tratamento isolado.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Sexualidade x Sociedade x Indivíduo?



A sexualidade humana tem sido um dos grandes interesses da ciência por diversas áreas do conhecimento, sejam elas da área médica, ciências sociais, psicologia e psicologia social, dentre outras. Também tem aguçado a curiosidade das pessoas quanto a este aspecto da vida afetiva. Foucualt, filósofo e psicólogo frances afirma que os discursos sobre a sexualidade constituem praticas na nossa sociedade que inauguram a noção de indivíduo. E a partir daí que irá fazer uma complexa e extensa análise de como se passa a valorizar a sexualidade como um campo que merece atenção em nosso meio. Não que antes a sexualidade não existisse, ou não fosse estudada. Mas a partir do século XVIII, na Europa inicia uma crescente preocupação social em torno dessa questão. Inaugura-se aí um tempo em que a cultura, seja no campo das religiões, ciência, moral e ética, a discussão do papel da sexualidade na vida do indivíduo e da sociedade. Como exemplo de nossa cultura cito a aceitação ou não de determinadas práticas, algumas fundamentais às sociedades como a proibição ao incesto que constitui-se do impedimento de pais terem relações sexuais com filhos/as e de adultos com crianças.
Quando falo de sexualidade, não me refiro estritamente a um ato em si. Me remeto a um campo da vida das pessoas mais amplo como a proximidade física entre as pessoas através de encontros como um abraço de mãe, um tapa nas costas de um amigo, um aperto de mão. São experiências com nosso corpo, sendo permitido ou não dentro de uma dado momento e local, reguladas por uma “disciplina” socialmente compartilhada que são satisfatórias e prazerosas na maioria das vezes e vão nos falar sobre nossos afetos e desafetos, confiança ou desassossego. Valem mais que palavras algumas vezes. Para citar um exemplo, o comportamento e a proximidade física permitida socialmente numa danceteria é bem diferente daquela desejável em um ambiente de trabalho. Os valores da pessoa mudam? Não creio. O que altera será o modo como isso será visto pelos outros, pela sociedade...
Mas minha questão e como as pessoas têm sofrido da insatisfação dessa esfera de suas vidas no contemporâneo, caracterizando-se pelo imperativo de felicidade, prazer com a exaltação da individualidade, sejam elas casadas ou não. Parece que quando a “disciplina” opera de forma a oprimir a vontade e um certo livre arbítrio da pessoa poderão surgir algumas alterações que ocasionam sofrimento. São inúmeras as denominações médicas e psíquicas dessas dificuldades como frigidez, impotência, ejaculação precoce, etc. Algumas delas podem ser orgânicas evidentemente, ou seja, de ordem de alguma alteração física, necessitando acompanhamento médico. No entanto, há situações em que não ocorre nenhuma alteração física. Ao que tudo indica, parece que o sofrimento parece ser de outra ordem, sendo necessária uma intervenção terapêutica não medicamentosa. Essas alterações no desejo sexual propriamente dito podem ser efeito de conflitos inconscientes, culpabilização, valores pessoais muito rígidos, expectativas muito elevadas em relação ao outro(a) e a si próprio, dentre outras formas que tem como um dos resultados possíveis, a uma baixa auto-estima/valor pessoal e quem sabe até um conflito de identidade. É necessário um tratamento que considere o comentário verbal acerca dessa vivencia e um ouvinte qualificado e sem preconceitos para uma melhoria da qualidade de vida.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Depressão: um mal de nosso tempo?

Muito tem se discutido nos últimos anos sobre uma modalidade de sofrimento bastante comum em nossos dias: a depressão. Embora alguns se questionem acerca de que se esta doença se caracteriza de adjetivos do tipo “frescura”, “fraqueza”, “moleza”, “preguiça” e uma infinidade mais de (des)qualificações, a depressão pode ser algo muito sério, dependendo da historia de vida de quem a sofre. Em algumas situações extremas pode haver risco de vida inclusive.
Inicialmente, é necessário fazer uma distinção do que vem a ser uma tristeza e do que é de fato uma depressão. Isso se torna necessário porque atualmente muitas pessoas têm a tendência a pensar que sentir tristeza vem a ser algo que não deveria fazer parte da vida. Frases do tipo “a vida é uma festa” parecem ser uma constante, imagina-se num eterno programa da Xuxa onde a tristeza jamais existiu. Esta e uma expectativa irreal diante da vida. Impossível viver sem ter alguma perda, por vezes bem importante, se decepcionar com alguém, se frustrar alguma vez no trabalho ou nos estudos. Vivemos em uma época em que estar alegre e feliz, como tanto insistem as propagandas, parece ser nossa única sentença. No entanto, a vida é imperfeita e haverá momentos em que a tristeza será nossa companheira. A dor, o sofrimento e a tristeza fazem parte daquilo que nos faz humanos. A tristeza, porém, tem uma outra face, aquela que nos faz pensar na vida, nos sentir vivos, bem vivos com vontade de continuar a viver e a conhecer e realizar coisas novas.
Por outro lado, a depressão vem a ser a intensificação da tristeza, uma tristeza exagerada, sobre a qual pode ser difícil ter um controle. Diversos podem ser os sinais de que a depressão pode estar ocupando um espaço significativo na vida de uma pessoa: se irritar com freqüência sem um motivo relevante, se sentir cansado, indisposto, desanimado para fazer as coisas que fazia antes, dificuldades para dormir ou acordar, ou ainda realizar muitas tarefas como uma fuga de seus sentimentos, agitação motora e por aí vai... Todos estes sinais tem como pano de fundo um sentimento de desesperança na vida, um sentimento de que a vida perdeu o colorido, sabor, cheiro, as pessoas não são mais as mesmas... Cuidado! Nessa descida pode se perder muitas outras coisas de valor na vida: estagnar profissionalmente, ressentindo e resignando-se, não desejar mais tanto estar próximo de pessoas (isolamento social), idéias de ruína pessoal e inclusive idéias de se suicidar (em situação extrema).
O tratamento da depressão pode ser através de medicamentos por meio de um psiquiatra ou médico ou através da psicoterapia. Na verdade é bastante aceita a idéia de que ambos são importantes para um tratamento conjunto e eficaz. Falar sobre seu sofrimento diante de alguém com uma escuta qualificada, que instiga a pensar outras formas de ser é um caminho importante para vencer esse sofrimento e poder ter uma vida mais realizada e completa, nos deixando mais dispostos a aventura de viver.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Fotos insanas

Há algum tempo tenho observado, depois que inventaram as câmeras digitais e celulares que tiram fotos, uma crescente compulsão por fotografar acidentes de transito, hajam vítimas, feridos ou não. Coisas que se vêem quando se circula por nossas ruas e rodovias de pessoas anônimas que param para ver e fotografar. Não estou aqui para julgar se certo e errado, mas gostaria de estar compartilhando algumas idéias nesse sentido.
Não se trata de um acidente de transito, mas o ocorrido ilustra como nossa sociedade tem se comportado frente a seu semelhante. Há algum tempo, em 2006, num bairro nobre do Rio de Janeiro, Engenho de Dentro localizado na Zona Norte, aconteceu uma cena de horror numa pacata rua de pedras e casas antigas no início da madrugada. Segundo a reportagem da Folha* “perto da meia-noite, quando a atenção dos moradores estava voltada para a transmissão do show dos Rolling Stones, um automóvel Honda Fit foi abandonado na rua, com uma cabeça sobre o capô, e os corpos de dois jovens negros, retalhados a machadadas, no interior do veículo”. Os jovens assassinados eram de uma favela próxima e sua morte provavelmente está relacionada com dívidas de drogas.
O que chamou a atenção foi a reação dos moradores frente ao brutal ali exposto. Ao invés de revolta, nojo, náuseas ou sentimentos do gênero, a reação fora uma autentica algazarra, principalmente os mais jovens, em que os moradores pegavam seus celulares para fotografar os corpos, e os mais jovens riram do que viam. Segundo a matéria, “Os próprios moradores descreveram a algazarra à reportagem. "Eu gritei: Está nervoso e perdeu a cabeça?", relatou um motoboy que pediu para não ser identificado, enquanto um estudante admitiu ter rido e feito piada ao ver que o coração e os intestinos de uma das vítimas tinham sido retirados e expostos por seus algozes”. Um estudante tenta se justificar: “Ri porque é engraçado ver um corpo todo picado”. Embora uma jovem tenha admitido que tenha sentido “náuseas”, o restante dos moradores pareceu não se importar com as mutilações dos corpos ali.
O esperado numa situação de estar frente a um cadáver aberto é sentir náuseas, nojo, repulsa. Vômito nessa situação seria uma reação do tipo a querer expulsar de dentro de si o intolerável e brutal que esta cena representa, quando nos deparamos com o que seria apenas alguns quilos de matéria inerte e sem sentido, o corpo. Freud já apontava que a angústia despertada será sempre um “alerta para o eu”, ou seja, que algo não vai bem em si provoca esta reação. Claro que quem trabalha numa emergência de hospital, para poder cumprir sua tarefa acaba desenvolvendo algumas defesas psíquicas que tornam possível realizar seu trabalho, uma delas fazer piadas sobre essas situações de morte, uma forma de neutralizar a intensidade do real e intolerável, que torna viável este trabalho. Mas aqui estamos falando de uma situação onde as pessoas que não precisam socorrer ninguém. A reação delas na reportagem caracteriza o que chamamos de uma reação maníaca, uma forma de alegria exacerbada que não condiz com a situação real ali presente, inadequada para este momento, acabando por negar a sensação do intolerável e sem sentido da morte brutalizada, uma forma de negar a angústia, de dizer que isso não é comigo, não acontecerá comigo. Se isto for de fato um “alerta para o eu” como postulou Freud, indica que estamos negando alguns perigos reais, ou seja, que diz respeito a todos nós mortais.
Os meios de comunicação nos oferecem uma dose diária de carnificinas e desgraças de toda ordem, não que elas não sejam reais. No entanto, de tanto serem noticiadas elas entram em uma ordem de banalidade. A reportagem mencionada, as pessoas comentavam o ocorrido com “é normal, é normal”, achando inclusive justo que o tráfego cobre com o sangue as dívidas com drogas. Ao menos eu não consigo imaginar normal uma pessoa gastar o que não tem com drogas, nem achar natural a prática de se entorpecer com elas, não consigo imaginar “engraçado” um corpo picado, fotografar a situação e fazer troça da mesma.
Mas o que será que está acontecendo conosco? O ato de fotografar sem a devida permissão e tudo mais que envolve isso está demonstrando uma falta com o outro, uma falta de sensibilidade que pode comprometer e seriamente nosso senso de humanos numa sociedade. Melhor, há indícios que demonstram a perda de algo que chamamos de laço social. Seria esta uma das questões que faz que nós humanos padecemos tanto em nosso tempo, que limita nossas vidas, que adoece nossa sociedade? Estamos nos tornando animais de nós mesmos?


* http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u118501.shtml

segunda-feira, 23 de março de 2009

Perder pessoas queridas…


Este é sempre um assunto delicado. Mais delicado se for inesperado. A morte sempre foi umas das grandes questões de nossas vidas por via da qual surgiram todas as grandes religiões e sistemas morais até hoje existentes. Afinal de contas, esta é uma experiência que todos, inexoravelmente, vamos passar um dia. Mas não soubemos como de fato é ou será. Quando perdemos alguém que gostamos, podemos sentir diferentes emoções: tristeza, raiva, dúvida, dor enfim. Afinal, não mais estaremos com aquela pessoa, não iremos mais ter a companhia e sua atenção. Ficamos sem esta parte de nossas vidas. Perdemos alguém, e para sempre. Perdemos aquilo que nos dava mais sentido a vida, aquilo que alimentava nossa esperança, aquilo que um dia nos estendeu a mão, iluminou nosso caminho, abriu alguma porta, nos segurou quando estivemos prestes as cair de algum penhasco. Estamos falando daquela pessoa que em algum momento compartilhou sua vida, suas dúvidas e sabedoria, suas (des)esperanças conosco. Seu amor, enfim.
Quando sabemos que a pessoa partirá de nossas vidas, ou seja, em alguma situação de doença terminal ou idade avançada, temos algum tempo de refletir, conversar com esta pessoa, compartilhar algum ultimo desejo. Não que não nos entristeçamos ou que seja “fácil”, não se trata disso. Apenas há a possibilidade de esse evento de nossas vidas se torne mais leve, que o torna melhor aceito. Isto nem sempre é algo tranqüilo. Exige das pessoas um desapego que elas nem sempre estarão dispostas a oferecer a si e as pessoas próximas. Quantos de nós já conheceu alguém que cuidou de pessoa idosa ou gravemente adoecida com pouco tempo de vida, em que este cuidador ficou bastante abalado, em luto fechado, por alguma pequena coisa que poderia ter feito para ter cuidado melhor desta pessoa e ter-lhe evitado a morte? Às vezes nos preocupamos muito com a qualidade de vida de quem está nos seus últimos momentos e não vemos o sofrimento de quem está se dedicando a esta vida que se finda. Que sentimentos tem este cuidador empenhado em cuidar e manter a vida alheia e por ventura ocorre o “inesperado”? Como ele poderá gostar das inúmeras coisas da vida se ele terá de deixá-las? Numa situação mais estremada como esta pergunta que acabo de colocar, a pessoa pode se descuidar de viver sua vida, de investir nas suas coisas como amigos, algum divertimento, alguma vaidade, no seu crescimento profissional... Nestas condições, a fé e a crença na vida indicam estar abaladas. É claro que isto é uma reação normal se isso ocorrer em um curto período de tempo. Naturalmente que isto será mais forte quanto mais próxima for a pessoa, se a pessoa for mais jovem, e se sua perda foi inesperada ou acidental. No entanto, se estas idéias se manterem por muito tempo, digo meses e quem sabe anos, a situação remete a que algo mais está acontecendo, e esta pessoa está sofrendo com esta perda. É importante dizer que sentir falta de alguém que partiu é bastante comum e bem diferente de quando uma pessoa está paralizada, com sua capacidade de investir na vida se encontra comprometida por um período mais extendido.
É importante mencionar que a fé, a crença em alguma força superior, a religiosidade podem auxiliar muito neste percurso de dor e sofrimento pela perda de um ente querido. Não cabe aqui julgar se o cristianismo em suas várias formas como a verdade, o mesmo para outras crenças religiosas. O fato é que a espiritualidade, em proporções medianas, ajuda a superar e compreender melhor a vida e também a morte.
Por fim, a morte de alguém sempre trará a nós, todos nós, a oportunidade de pensar sobre como estamos levando nossas vidas. É pela vida de quem amamos que espelhamos a forma como desejamos que seja nossa vida.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Mulher: uma reflexão sobre nosso tempo


“Só uma mulher supersônica consegue ser eficiente como melhor mãe, melhor filha, melhor esposa, melhor profissional, melhor dona-de-casa e melhor bunda”. (Marta Medeiros).

Passadas as comemorações alusivas ao dia Internacional da Mulher, esta frase da Marta me chamou a atenção. Não é fácil viver em uma época em que se precisa ser boa (m) ou ótima(o) em tantas coisas sem se sentir uma pessoa cansada. Cansada de tantas opções que o mundo nos oferece das quais temos que escolher sempre a melhor. É claro que ninguém quer o pior para si, para os que nos rodeiam e para o mundo em geral, não é mesmo? Mas por vezes o corre-corre do dia-a-dia nos cansa e às vezes já não sabemos o por quê.
Muitos estudos da sociologia e psicologia apontam a invenção da pílula um dos passos importantes para uma maior liberdade da mulher. Isso possibilitou uma maior escolha e controle sobre o que se deseja. Alguns acontecimentos como as primeira e segunda guerras mundiais possibilitaram na Europa e America do Norte a estréia das mulheres de forma massiva no campo de trabalho, já que muitos homens estavam nos campos de combate. Isso são dois exemplos de conquistas das mulheres nos campos sociais e afetivos do último século. Todas essas conquistas e crescimentos nos campos pessoal e profissional das mulheres têm contribuído bastante para sua afirmação social e autoestima, sem sombra de dúvida. A roda do destino que até então regia a vida das mulheres, circulando em torno de ser filha, passar a ser esposa, a mãe de, a avó de, sempre a mulher de algum homem começa a mudar com o passar dos anos. Agora já há condições de escolha. A mulher hoje não precisa apenas ser aquilo que a roda do destino lhes reservou. Ela pode mais. Yes, we can, em inglês. Podem tudo e de tudo.
Contudo, frente a todas as possibilidades também vem as expectativas sociais e pessoais frente ao que vem a ser mulher neste século XXI. E esse ser mulher que a frase da Marta nos coloca deixa as mulheres frente a esse dilema. Ela pode tudo, inclusive ser objeto de suas escolhas. Muitas escolhas em vista exigem muita sabedoria. Em tempos de mudanças aceleradas e constantes, parece que sempre se esta correndo contra o tempo. Isto pode gerar um sentimento de confusão, indecisão, perceber a vida como se fosse vazia. Não que homens também não possam se sentir desta forma em suas vidas. A maioria, senão todos nos perguntamos o quanto nossas escolhas tem nos deixado satisfeito com a vida que levamos. Mas as mulheres parecem ser mais sucetíveis por todas as mudanças na sociedade e em si próprias que vem ocorrendo. A todas(os) essas perguntas geram algum sofrimento. Para algumas pessoas, verdadeiras crises de angústia. Afinal, um mar de escolhas pode imobilizar-nos.

domingo, 8 de março de 2009

Medo ou Fobia ?

Para além de ficar diagnosticando o cotidiano, o medo é um dos sentimentos humanos inerentes a nossa condição. Ele faz parte de algo maior que poderia-se chamar de instinto de preservação. Este, o instinto de preservação, faz com que tenhamos reações por vezes inesperadas em situações abruptas como a atitude a ser tomada frente a um cão feroz que surge repentinamente na rua, frente a um acidente de transito ou mesmo em situações mais sutis como sentir medo de andar em uma rua mal iluminada durante a madrugada. Aliás, quem em nossos dias não sente algum medo em relação a ser assaltado, roubado, agredido? Esta sensação que pode ser dita como um mal estar social se manifesta em nossas cidades de diversas formas. Ela se materializa na colocação de alarmes automotivos e residenciais, construção de muros cada vez mais altos em nossas residências, escolas e empresas, na colocação de câmeras de segurança por toda parte. Assim, há inúmeros exemplos disso em nosso cotidiano. Naturalmente isso não existia no tempo de nossos avós, pelo menos não na forma e dimensão que conhecemos hoje. O medo passa a ser um sinal da forma que se caracteriza nossa época, nosso imaginário social. A sensação de que o outro qualquer poderá nos tomar algo seja material ou relativo ao bem estar físico parece ser bastante comum entre nós na atualidade em nosso imaginário. Não que a realidade e as noticias nos meios de comunicação desmintam essa possibilidade. Esse sentimento de medo, embora seja bastante presente, não é tão natural quanto parece, vai caracterizar nosso jeito de ser e habitar o mundo, deixando suas marcas por toda parte. Estes sentimentos estão, contudo, relacionados com nosso instinto de preservação. Essa nossa característica nos capacita a buscar formas de nos proteger num mundo potencialmente inseguro, essa é a sensação. Em certa medida ela é necessária e saudável, desde que ela não impeça a gente de ter prazer na vida, que o medo não nos impeça de viver e de fazer coisas agradáveis.

O lado sombrio disso, se é que se pode assim dizer, se expressa no isolamento social, impedindo a pessoa de realizar tarefas e viver seu cotidiano de maneira mais ou menos satisfatória é o que chama-se de fobia. As fobias podem se assim dizer, são a incapacidade da pessoa em avaliar os riscos reais frente a uma determinada situação. Elas podem ocorrer de diferentes formas, sejam elas a agorafobia (medo de espaços públicos) onde a pessoa manifesta medo de sair de casa, por exemplo, o Pânico em que a pessoa manifesta uma paralisia, uma forte sensação de medo frente a algo específico ou não de seu cotidiano (a pessoa pode entrar em estado de sofrimento psíquico frente a uma dada situação que ela lida em seu cotidiano: passear no shoping ou ainda quando se depara com algum objeto específico, etc, ou ela relata não saber o motivo que desencadeou seu sofrimento, ele simplesmente acontece), a claustrofobia, constitui-se de medo de lugares fechados como por exemplo elevadores e outros espaços pequenos que despertam diversas sensações físicas, todas tendo como pano de fundo a ansiedade e o medo. São males do nosso tempo que merecem atenção, cuidados para uma vida mais plena e satisfatória.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

A arte de interpretar sonhos

Desde tempos remotos, o ser humano se impressiona com a linguagem que se apresenta nos sonhos, desde os mais simples aos mais bizarros e absurdos. Há relatos desde a antiguidade descritos na Bíblia, como o caso de José que interpretou o sonho do faraó (rei do Egito) prevendo sete anos de fartura seguidos de sete anos de dificuldade. Por esta via há inúmeros e infinitos relatos, seja na literatura ou em revistas.
É bastante comum a crença em os sonhos premonitórios, aqueles que dizem algo sobre nosso futuro. Nesta perspectiva há uma extensa quantidade de livros e outras publicações sobre a interpretação de sonhos, a maioria versando sobre o futuro do sonhador, a maioria generalizando as situações e desconsiderando a pessoa que o sonha. Particularmente, um sonho muito significativo nesse sentido é sonhar com a morte de uma pessoa querida que na vida real está viva (pai, mãe, irmã(o), namorada(o), um cônjuge), e uma possível sensação de desconforto e culpa ao acordar. Dificilmente um sonho será claro e tão literal. Os sonhos são uma linguagem simbólica que muito mais do que o que possa aparentar a cerca de nossas vidas. Ao contrário do que nos apresentam muitos dessas publicações que generalizam as imagens dos sonhos, as imagens e sensações que os sonhos produzem ocorrem num contexto, pois a maioria dos sonhos advêm de restos diurnos, do que se vivencia durante o dia, e do momento de vida do sonhador. Se os sonhos são a realização de desejos, como postulou Freud, qual poderia ser o desejo desse sonho? O que ele representa na vida dessa pessoa, que não a simples saída do convívio desta pessoa? Por que agora? Com certeza não é uma questão simples, possível de se encontrar em um livro em um livro ou revista... É necessário bastante empenho de quem irá realizar essa interpretação em compreender as sensações, imagens, medos, angústias que este sonho despertou e ver como este se relaciona com a vida da pessoa. E esta construção do que aparentemente poderia ser visto como absurdo e bizarro para a consciência do sonhador, possa se transformar em algo que faça sentido e que produza o que poderia-se denominar como mais vida. Mais vida é aquilo que faz desta atividade uma arte, e como toda arte, embelezar e dar mais sentido à nossas vidas como um caminho a ser percorrido.


Nossa Noticia, 28/02/09.