segunda-feira, 30 de março de 2009

Fotos insanas

Há algum tempo tenho observado, depois que inventaram as câmeras digitais e celulares que tiram fotos, uma crescente compulsão por fotografar acidentes de transito, hajam vítimas, feridos ou não. Coisas que se vêem quando se circula por nossas ruas e rodovias de pessoas anônimas que param para ver e fotografar. Não estou aqui para julgar se certo e errado, mas gostaria de estar compartilhando algumas idéias nesse sentido.
Não se trata de um acidente de transito, mas o ocorrido ilustra como nossa sociedade tem se comportado frente a seu semelhante. Há algum tempo, em 2006, num bairro nobre do Rio de Janeiro, Engenho de Dentro localizado na Zona Norte, aconteceu uma cena de horror numa pacata rua de pedras e casas antigas no início da madrugada. Segundo a reportagem da Folha* “perto da meia-noite, quando a atenção dos moradores estava voltada para a transmissão do show dos Rolling Stones, um automóvel Honda Fit foi abandonado na rua, com uma cabeça sobre o capô, e os corpos de dois jovens negros, retalhados a machadadas, no interior do veículo”. Os jovens assassinados eram de uma favela próxima e sua morte provavelmente está relacionada com dívidas de drogas.
O que chamou a atenção foi a reação dos moradores frente ao brutal ali exposto. Ao invés de revolta, nojo, náuseas ou sentimentos do gênero, a reação fora uma autentica algazarra, principalmente os mais jovens, em que os moradores pegavam seus celulares para fotografar os corpos, e os mais jovens riram do que viam. Segundo a matéria, “Os próprios moradores descreveram a algazarra à reportagem. "Eu gritei: Está nervoso e perdeu a cabeça?", relatou um motoboy que pediu para não ser identificado, enquanto um estudante admitiu ter rido e feito piada ao ver que o coração e os intestinos de uma das vítimas tinham sido retirados e expostos por seus algozes”. Um estudante tenta se justificar: “Ri porque é engraçado ver um corpo todo picado”. Embora uma jovem tenha admitido que tenha sentido “náuseas”, o restante dos moradores pareceu não se importar com as mutilações dos corpos ali.
O esperado numa situação de estar frente a um cadáver aberto é sentir náuseas, nojo, repulsa. Vômito nessa situação seria uma reação do tipo a querer expulsar de dentro de si o intolerável e brutal que esta cena representa, quando nos deparamos com o que seria apenas alguns quilos de matéria inerte e sem sentido, o corpo. Freud já apontava que a angústia despertada será sempre um “alerta para o eu”, ou seja, que algo não vai bem em si provoca esta reação. Claro que quem trabalha numa emergência de hospital, para poder cumprir sua tarefa acaba desenvolvendo algumas defesas psíquicas que tornam possível realizar seu trabalho, uma delas fazer piadas sobre essas situações de morte, uma forma de neutralizar a intensidade do real e intolerável, que torna viável este trabalho. Mas aqui estamos falando de uma situação onde as pessoas que não precisam socorrer ninguém. A reação delas na reportagem caracteriza o que chamamos de uma reação maníaca, uma forma de alegria exacerbada que não condiz com a situação real ali presente, inadequada para este momento, acabando por negar a sensação do intolerável e sem sentido da morte brutalizada, uma forma de negar a angústia, de dizer que isso não é comigo, não acontecerá comigo. Se isto for de fato um “alerta para o eu” como postulou Freud, indica que estamos negando alguns perigos reais, ou seja, que diz respeito a todos nós mortais.
Os meios de comunicação nos oferecem uma dose diária de carnificinas e desgraças de toda ordem, não que elas não sejam reais. No entanto, de tanto serem noticiadas elas entram em uma ordem de banalidade. A reportagem mencionada, as pessoas comentavam o ocorrido com “é normal, é normal”, achando inclusive justo que o tráfego cobre com o sangue as dívidas com drogas. Ao menos eu não consigo imaginar normal uma pessoa gastar o que não tem com drogas, nem achar natural a prática de se entorpecer com elas, não consigo imaginar “engraçado” um corpo picado, fotografar a situação e fazer troça da mesma.
Mas o que será que está acontecendo conosco? O ato de fotografar sem a devida permissão e tudo mais que envolve isso está demonstrando uma falta com o outro, uma falta de sensibilidade que pode comprometer e seriamente nosso senso de humanos numa sociedade. Melhor, há indícios que demonstram a perda de algo que chamamos de laço social. Seria esta uma das questões que faz que nós humanos padecemos tanto em nosso tempo, que limita nossas vidas, que adoece nossa sociedade? Estamos nos tornando animais de nós mesmos?


* http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u118501.shtml

Um comentário:

  1. olha [e muito triste falar sobre isso ... eu sofri um abuso por causa de cameras de celular viu ... [e complicado as pessoas nao pensam nos outros so em si mesmas ... querem falar e fotografar mas nao pensam q poderiam acontecer com elas mesmas... eles invadem a sua vida e postam sem nenhum pudor.

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