terça-feira, 19 de maio de 2009

Uma história de culpa


Vivemos em uma época em que há muitas biografias que contam a vida de pessoas famosas ou anônimas. É uma forma de registrar nossa memória social, de eternizar a vida de uma pessoa. Uma historia de vida interessante e não menos intrigante é a da francesa Simone Weil. Já aos cinco anos ela parou de usar açúcar quando soube que no exército frances os soldados eram privados do seu consumo. Ela vinha de uma família judia não praticante e extremamente culta, de condições de vida confortáveis de uma classe média francesa. Simone foi um gênio precoce: aos doze anos sabia grego e aos quinze já era bacharel em filosofia. Já nesta idade chamava a atenção por seu jeito insólito de se vestir e por seu pensamento bastante independente para a época. Ela cresceu agnóstica (não acreditava na existência divina), e era conhecida por suas idéias de estrema esquerda radical. Um pouco posterior a crise da grande depressão, 1929, semelhante a essa que estamos vivendo em nossos dias, Simone deixou sua confortável posição de professora na numa escola secundária para moças em Le Puy, onde era conhecida como a "Virgem Vermelha", para ir trabalhar nas linhas de montagem da empresa automobilística Renault em 1934. Mas suas condições físicas não foram suficientes e teve que desistir deste projeto em 1935.
Envolveu-se em lutas sociais diferentes, indo morar em na Espanha com o intuito de participar da guerra espanhola ao lado dos republicanos. Acabaram lhe dando um rifle, mesmo tendo déficit de visão e miopia. Acabou tendo um acidente em que caiu desastradamente sobre uma panela de óleo quente, ficando gravemente ferida, sendo resgatada pelos pais, indo morar na Itália para recuperar a saúde.
Num momento posterior, e padecendo de constantes enxaquecas, Simone tornou-se mística. Devorou o Livro dos Mortos egípcio e o Bhagavad Gita. Ouvindo um canto gregoriano num mosteiro beneditino, no auge de um ataque de enxaqueca, “experimentou a alegria e amargura da paixão de Cristo como um evento real”, e, pela primeira vez, pensou em si mesma como uma pessoa religiosa. Converteu-se ao cristianismo, mas não à religião organizada. Não quis o batismo e a filiação à Igreja, mas, numa colônia agrícola católica, transformou-se numa asceta (consiste na prática da renúncia do prazer ou mesmo a não satisfação de algumas necessidades primárias, com o fim de atingir determinados fins espirituais), trabalhando na terra, dormindo no chão, alimentando-se só de vegetais.
Depois disso foi a Londres, lutar com a resistência francesa. Seu asceticismo ao ápice: ela se negava a comer qualquer coisa a mais do que os suprimentos oferecidos ao exército. Isso só piorou sua desnutrição, piorando sua tuberculose. Morreu com 34 anos em 1943. Foi parada cardíaca, desencadeada por uma greve de fome.
Com que palavra poderíamos definir essa intrigante personagem? Culpa seria uma boa escolha. Era uma moça bem nascida e muito inteligente para sua época, não precisava se privar de alimentos por razões econômicas, mas fez escolhas por si pouco convencionais para si que refletiam um pouco os conflitos sociais de sua época e seu mal estar próprio, irracional. Simone Weil nos faz pensar acerca de como nosso senso de valor ou de auto estima vem a ser importante para uma vida longa e saudável.

terça-feira, 12 de maio de 2009

O tempo adoeceu?


Na semana passada escrevi sobre o hábito de se alimentar com a família ou com as pessoas que gostamos. Esse costume, um pouco perdido e talvez empoeirado pela correria do dia-a-dia contitui-se de um momento importante em que recebemos muitas informações sobre a vida do outro e podemos estabelecer trocas afetivas. E quando esses e outros encontros não são possíveis de acontecer? Quando o ritmo de estudos é intenso, quando o trabalho exige dedicação extra, quando há sempre alguma notícia interessante no jornal, quando há novo lançamento de filme ou livro, a internet sempre tem algo curioso a nos mostrar, da televisão nem se fala… e o celular toca? Vive-se essa dança frenética ou talvez essa montanha russa louca pela qual a gente passa a mil sem ver a beleza de um momento efêmero.
Uma das questões que muitas pessoas sofrem no seu dia-a-dia é esse viver sempre correndo atrás da máquina, esse viver sem tempo, um verdadeiro tempo adoecido. Aliás, a forma mais usual de se justificar uma falha ou falta é afirmar “não tive tempo”! Às vezes essa justificativa é verdadeira, mas ela pode estar falando de outra coisa quando a mesma for utilizada de forma seguida e recorrente.
Sempre me lembro de uma história que uma professora minha de faculdade contava para explicar o que fazia as pessoas sentirem-se sem tempo. Era uma situação pessoal de uma tia dela aposentada, cujas atividades do dia consistiam em manter a casa em ordem somente. Claro que isso é uma atividade importante e necessária. Ela junto com uma vizinha também aposentada tinham como hábito tomarem o café da tarde, costume cultivado em muitas famílias ainda. Mas com o passar do tempo elas passaram a não ter mais tempo para seu lanche vespertino. Por estranho que isso nos parece, elas se sentiam sem tempo. O que elas acabavam fazendo efetivamente era encontrando outras atividades que ocupavam seu tempo, embora se “queixassem” da falta de tempo. Pode ser estranho, mas é bem comum em nosso meio, as suas diferentes formas de sentir-se sem tempo. Não se trata aqui de julgar a ação dessas senhoras, evidentemente. É apenas uma forma de ilustrar como isso pode acontecer no dia-a-dia.
Mas há uma pergunta que não cala: a correria do dia-a-dia faz sentido? Pensar a esse respeito pode ser bastante útil para melhorar a qualidade de vida e encontrar outras saídas mais felizes. Afinal de contas o tempo deveria estar ao nosso favor e não o contrario. Ao menos esse vem a ser um desafio a ser alcançado. A propósito, o que você tem feito com seu tempo?

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Os alimentos da alma



Muito tem se estudado sobre as propriedades nutricionais dos alimentos, estes mesmos ganham os mais variados adjetivos como funcionais e podem sofrer combinações específicas com dieta na gestante, dieta do idoso, dieta do diabético... Nada contra, há situações que isso é absolutamente necessário. Gostaria de falar hoje de um hábito alimentar que tem se tornado menos incomum em nossos dias. Aquela velha mania que a banda Skank canta já há mais de década:
Família, família
Almoça junto todo dia,
Nunca perde essa mania. (e por aí vai...)
Num recente estudo sobre hábitos alimentares em grandes cidades constatou-se que aproximadamente 69% das pessoas costumam assistir televisão nas refeições. Ou seja, o tempo para o diálogo com quem se compartilha o momento é no mínimo dividido com a telinha, quando não ocupado exclusivamente. Além do mais, a rotina corrida do dia-a-dia da modernidade parece não nos permitir o suposto luxo deste momento sagrado de comer devagar e/ou se alimentar da companhia de alguém. Cada vez menos as famílias têm o hábito de se sentar a mesa e saber um dos outros, de trocar e conversar. As pessoas chegam a imaginar-se sem ter o que fazer quando acaba a luz.
O hora do almoço pode ser um bom pretexto para se reunir a família, trocar informações desde hábitos familiares sobre os alimentos, peculiaridades que cada família tem sobre isso. Este é um momento de intimidade, afinal de contas não convidamos qualquer pessoa para cear conosco, não é verdade? É o momento em que os adultos podem expressar e atualizar seus sentimentos em relação aos filhos, aos filhos saber da vida profissional dos adultos, dos pais acompanharem a vida escolar e os círculos de amizade dos filhos. Pode ser um momento que apareçam as contradições e os conflitos. Sim, eles fazem parte de todas as famílias, não interessa classe social ou cor. É uma boa oportunidade de exercer o diálogo de forma polida, de tentar se por no lugar do outro, de conhecer sua rotina, suas razoes. É um exercício nada fácil muitas vezes, mas bastante necessário. Uma “coisa” muito importante pode estar se sustentando através destes espaços de convivência familiar: o sentimento de pertencimento, esse sentimento que nos faz sentir integrados e próximos como seres humanos.
Por qual motivo estamos nos tornando comedores solitários? Será que estamos dando mais valor ao aspecto nutricional do que o social dos alimentos? Nossas parcerias concretas tem sido a TV e o computador? Parece que temos a refletir a respeito: a vida que levamos é a vida que nos leva?