Hoje vou contar uma historia... Em um país longínquo do oriente médio, numa época remota, um rei chamado Shariar descobre que sua esposa o está traindo com o mais baixo servo de sua corte. O servo foi morto junto com a sua suposta amada. Desde então, conta a lenda, naquele reino, o Rei Shariar casou com uma mulher por noite, sendo que ao final de cada noite de núpcias, sacrificava a recém casada esposa. Isto foi um duplo problema: político, pois quem haveria de se casar com alguém isento de qualquer punição por seus atos (de mandar matar suas esposas) e psíquico no sentido de o Rei Shariar não conseguir mais se apaixonar e confiar em alguém.
Eis que num belo dia, Sherazade, a filha do soldado responsável por executar as esposas, resolveu, para espanto de todos, casar com o Rei. Seria uma contradição muito grande o próprio pai ter de executar a filha, sem dúvida... No entanto, na noite de núpcias do casal, Sherazade, resolveu contar historias. A cada historia contava uma historia que teria uma sequencia na noite seguinte. Para continuar a ouví-la, o rei ficava curioso e deixava sua rainha viver por mais uma noite… e a contação de histórias seguia firme e acabaram vivendo juntos durante muito tempo. O ciclo de casamentos e mortes acabou. Algumas dessas histórias são contadas em um clássico da literatura de autor desconhecido chamado As mil e uma noites.
Esta pequena história, muito resumida, nos faz pensar acerca dos muros, reais e imaginários, construídos em muitas relações amorosas, do amor sem confiança, do prazer sem afeto com o outro, seja homem ou mulher. Em última análise, da falta de acreditar em si próprio. A morte, nesta pequena história narrada, não necessariamente pode ser vista como a morte real, física do/a outro/a. Ela pode ser um tanto a descrença de que o amor é possível e valha à pena. Sherazade faz toda uma viagem para convencer a si e ao rei que ambos eram dignos de uma história melhor do que aquelas que já conheciam e viveram, através de palavras que tocaram sem ferir seu amado. Palavras estas como quem tem uma ferida que precisa ser tocada para ser cuidada numa troca de um curativo.